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“Acredito que a liderança é o ator principal dentro da governança”, diz Cristiane Nardes



RGB Entrevista com Cristiane Nardes, jornalista, analista comportamental, Executive Coach pela Sociedade Latino-Americana de Coaching (SLAC) e vice-presidente do Conselho de Administração da Associação Latino-Americana de Governança. Confira!


RGB - Na sua visão, o que é a governança no setor público?


Cristiane Nardes - Segundo o Tribunal de Contas da União - TCU, governança no setor público compreende essencialmente os mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade.

Uso o conceito de governança do TCU como referência em meus trabalhos, e entendo que se considerarmos que governar tem o sentido de administrar, controlar e até mesmo influenciar e conduzir os processos de uma organização, a governança só acontecerá através da integração entre liderança, estratégia e controle, é fundamental os três mecanismos, um complementa o outro, postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar as iniciativas da equipe. Potencializando a estrutura do trabalho interno e externo, gerando dessa forma uma gestão baseada em resultados, participação e eficiência. Sem o pacote completo, não temos governança, temos gestão, as pessoas confundem muito os conceitos.

Acredito que a liderança é o ator principal dentro da governança, pois sem ela nada acontece. A governança é feita por pessoas, e liderar é dirigir pessoas. Ou seja, saber atraí-las, inspirá-las e influenciar comportamentos que atraiam bons resultados, não é tarefa fácil. Na prática, um líder deve ser uma pessoa que se destaca, uma referência dentro de um grupo que motiva e que serve de exemplo para os demais, e isso é fundamental para quem quer começar a trabalhar com governança, é necessário uma mudança cultural e sensibilização dos stakeholders, e isso, requer um grande esforço. Vejo que o papel do líder é fundamental, ele terá que ser incansável para engajar a equipe e virar a chave pela implantação da governança. Esse convencimento não é uma tarefa fácil, seja para seus pares ou para a alta administração.


RGB - Quais os maiores desafios, na sua visão, para a disseminação e consolidação das boas práticas de governança no setor público brasileiro?


Cristiane Nardes - Seria clichê eu falar em cultura? Mas realmente é a maior barreira, a ausência de boas práticas de governança nos processos da administração pública. Ainda, de forma geral, não sabemos trabalhar com governança, é recente, estamos aprendendo e há um longo caminho pela frente. Já na governança corporativa a maturidade é enorme, porém no setor público, ainda nos deparamos com gestores dizendo que governança é bobagem ou perda de tempo, talvez por outros interesses, acomodação ou falta de conhecimento. Infelizmente em nosso país ainda existem movimentos contra a implementação da política de governança, e por esse motivo fundamos a Rede Governança Brasil (RGB) com o objetivo de mudar isso, através da sensibilização, levando conhecimento e disseminação das boas práticas, através do trabalho colaborativo e em rede, a fim da tese ganhar força. Fazer parte da RGB é muito mais que estar em movimento cívico voluntário é pensar fora da caixa e a longo prazo, e principalmente, estar disposto a fazer a diferença, deixando um legado mais digno para o Brasil. Eu me sinto realizada com os trabalhos da rede, sendo voluntária e dedicando meu tempo ao país.

Acredito também que a Rede Governança Brasil vem desenvolvendo desde 2019 um significativo movimento para a nação e tem sido fundamental para a virada de chave cultural a favor da governança. O trabalho em rede é de suma importância, pois ganha força, apoio, dissemina a tese, levando informação, e aos poucos, porém, sem pressa e de forma contínua, alcançaremos a maturidade da governança corporativa. Acredito também que a aprovação do PL da Governança Pública brasileira será um marco extremamente importante para a administração pública, onde união, estados e municípios deverão aderir à tese.


RGB - Como foram as suas experiências na Secretaria-Executiva de Governança do Governo do Distrito Federal?


Cristiane Nardes - Ganhar experiências é sempre bom, ainda mais sendo um trabalho desafiador. O projeto da primeira Secretaria de Governança e Compliance do Governo do Distrito Federal foi muito além de um cargo no executivo, ou o status de secretária de estado, ali pude entender o tamanho do desafio de quem trabalha com governança e compliance - é matar um leão por dia. Eu achava que tinha o apoio da alta administração do governo, quando na verdade, o que existia era um projeto de fachada utilizando meu nome. Montei uma equipe técnica formada por profissionais do mais alto nível e conhecimento em governança, convidei servidores de outros órgãos como AGU, CGU e TCU, especialistas na matéria e preparados para darem total apoio no desafio que me propus a exercer. Vale ressaltar que eu já estava trabalhando no Governo do Distrito Federal, por 3 anos atuei como chefe de planejamento estratégico da Secretaria de Mobilidade, ou seja, já conhecia os procedimentos e o “terreno”. Porém, já no processo de transferência dos servidores que havia selecionado de outros órgãos, comecei a sentir que algo travava a chegada deles até a equipe, alguns deles, acabaram inclusive desistindo de compor a equipe dada a morosidade no processo. Com a equipe formada, acontecimentos diários soavam de forma estranha, como ausência de estrutura adequada para trabalharmos, chegamos ao ponto de sermos trocados de sala quatro vezes em um mês, um belo dia ficamos sem máquinas, mesas e cadeiras. Os processos que eram despachados pela Secretaria de Governança eram travados nos gabinetes de secretarias estratégicas, e até mesmo pelo governador. Aos poucos os ataques começaram a ser direcionados a mim, em reuniões, por exemplo, até o momento que fui agredida verbalmente pelo próprio governador, mencionando inclusive o nome do meu pai, Ministro Augusto Nardes, em um dos seus discursos com palavrões, na sequência fui exonerada grávida de quatro meses. Aguentei firme, eu não iria desistir, quem me conhece sabe o quanto sou dura na queda, não iria ceder, pois sabia da importância do projeto da governança para Brasília. Hoje, avaliando tudo que aconteceu, e olhando para trás, deixo minha experiência a quem possa interessar, não adianta fazer governança sem o apoio da alta administração, tenha certeza de que esse apoio existe. Muitos governantes dizem ter ou fazer governança, quando na verdade não passa de um discurso político de fachada, sinceramente, pule fora e vá em busca de quem quer fazer a diferença. Cumpri meu papel, tenho muito orgulho em dizer que apesar de todas essas dificuldades, conseguimos implementar o Decreto 39.736 de 28/03/2019 que dispõe sobre a Política de Governança Pública e Compliance no âmbito da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo do Distrito Federal.


RGB - O que a experiência da maternidade lhe trouxe como ensinamentos em termos profissionais e pessoais?


Cristiane Nardes - As pessoas sempre querem saber muito sobre minha vida pessoal, tento ser o mais discreta possível, a fim de blindar minha família, pois já passamos por muitas situações delicadas, como ameaças, ataques e exposição na imprensa. Nasci em uma família de político e vi desde sempre meu pai atuante e trabalhando muito pelo país, fui aprendendo com ele como ser perseverante, não desistir dos meus sonhos, e como me comportar em meio a tanta inveja e sempre mostrar que posso ser respeitada através do meu trabalho, transparência e postura correta para tudo que fizer. Quero levar esses ensinamentos para meu filho, se hoje tenho essa referência paterna profissional que tanto me orgulho, não desmerecendo minha mãe, pois foi ela que durante vinte e cinco anos acompanhou meu pai na jornada política até sua chegada ao TCU, foi uma guerreira, somos de origem humilde e do interior do Rio Grande do Sul, não quero perder minha essência, pretendo seguir com esses exemplos. Hoje, me sinto filha da governança e a geração do meu filho, Enrico, que está com um ano e meio, já nasceu em meio a esse ambiente, tenho certeza de que a tal mudança cultural que falei anteriormente, está se aproximando, por sorte, um caminho sem volta, a governança pública veio para ficar.


RGB - Quais foram, na sua opinião, as principais entregas feitas pela Rede Governança Brasil (RGB) até hoje?


Cristiane Nardes - Sou suspeita para falar em relação a Rede Governança Brasil, pois sou uma das fundadoras do movimento, mas certamente só o fato da RGB existir já é importante. Todas as ações, comitês, grupos de trabalho e esforços realizados em prol da governança merecem reconhecimento. Hoje a RGB é formada por quase mais de 400 voluntários em 22 estados e 5 países e deu um grande passo no início deste ano quando foi fundada a sua personalidade jurídica a fim de trazer luz e mais força aos trabalhos através da Associação Latino-Americana de Governança. A associação tem como missão fortalecer ainda mais os projetos da governança, estão previstas quase 600 ações no planejamento estratégico da RGB até 2025, para conseguirmos realizar tudo isso, precisávamos de estrutura adequada, e assim possibilitar a rede cumprir sua missão, por este motivo a fundamos. A RGB tem como missão disseminar a Governança Pública no Brasil e na América Latina, com integração, estimulando a implantação da política em todas as esferas: Federal, Estadual, Distrital e Municipal, e nos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Trabalhamos para transformar a Administração Pública. Uma missão extremamente desafiadora, já temos o Decreto nº 9.203 de 2017 que instituiu a política de governança no âmbito federal, mas precisamos ir além, a RGB está batalhando pela aprovação do PL da Governança, será um grande passo para a gestão pública, e certamente um grande legado aos brasileiros. Temos trabalho na aprovação desse projeto há quase dois anos e meio através do Comitê “Aprovação do PL da Governança”, considero essa pauta estratégica para a RGB e para o Brasil. Outro assunto que merece destaque foi a criação da Cartilha de Governança Municipal – Transformando sua Administração, material idealizado por mim, e criado a várias mãos pelo Comitê responsável, também sou uma das autoras. Foram dois anos de trabalho até a cartilha ficar pronta, tivemos o apoio da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul, NT Editora, Instituto Latino-Americano de Governança e Compliance Público (IGCP) e Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Com o apoio da CNM, no início deste ano, todos os prefeitos brasileiros que tomaram posse receberam em mãos a cartilha impressa, com o objetivo de terem, talvez para alguns deles, o primeiro contato com o conceito de governança pública. Sou coordenadora do Comitê de Capacitação da RGB, temos organizado eventos nos estados com o foco nos municípios, além disso, lançamos o projeto “Mentoria para Prefeituras Brasileiras”, em que estamos atendendo de forma voluntária neste ano, 18 municípios. Para 2022 o projeto terá continuidade, toda a trilha criada para o atendimento as Prefeituras foi desenvolvido com base na Cartilha de Governança Municipal. Além disso, lançamos a primeira turma de “Formação em Mentores da RGB”, com o objetivo de capacitar os voluntários da rede para que sejam os mentores dos municípios, e assim, levarmos a tese da governança para dentro da cidade. Entendo que a RGB está fazendo sua parte, pode ser pouco ainda, mas começamos, e assim vamos aos poucos, trabalhando de forma voluntária, cada um fazendo a sua parte sem perdermos a esperança.


RGB - O que podemos esperar da Associação Latino-Americana de Governança e da RGB nos próximos cinco anos?


Cristiane Nardes - A RGB foi fundada em 2019, começamos com um grupo pequeno formado por entusiastas da matéria, no primeiro jantar da rede havia 16 pessoas. Aos poucos o grupo foi aumentando, um colega foi comentando para o outro sobre o movimento, e assim, a RGB começou a tomar força, corpo e respeito. Hoje, olhando para trás, posso pensar nos próximos cinco anos, vejo a envergadura que adquirimos, todos os voluntários são pessoas diferenciadas, a meu ver são pessoas que pensam grande e fora da caixa, pois dedicam seu tempo a um projeto em prol do desenvolvimento do Brasil, são visionários. Todo o caminho percorrido pela RGB tem sido realizado com muita seriedade em que o caráter voluntário deve estar em primeiro lugar. Falar em governança há dois anos era mais difícil do que hoje, e nos próximos cinco anos, será mais fácil ainda. Esse é o papel da associação, facilitar a disseminação da política de governança, e ser reconhecida como uma entidade que fomenta a implantação da governança pública no Brasil e na América-Latina. Sempre trabalhando de forma íntegra, ética, transparente e com foco na entrega de valor à sociedade, contribuindo para um país mais competitivo e desenvolvido socialmente, economicamente e de maneira sustentável. Além de apoiar o Estado na execução de políticas públicas baseadas em entregas eficientes, eficazes e efetivas através da implantação da tese da governança. A rede iniciou seu processo além das fronteiras. Em agosto de 2021, a RGB realizou o lançamento oficial da Rede Governança Argentina (RGA). Servimos como apoio e inspiração neste marco na expansão da boa governança na América Latina. O modelo que criamos já está sendo replicado pelos “hermanos”, penso que nos próximos cinco anos nosso maior desafio será levar esse modelo de movimento para muitos outros países vizinhos da América-Latina e certamente a associação terá papel fundamental e estratégico para chegarmos até lá.


Cristiane Nardes tem 39 anos e hoje é vice-presidente do Conselho de Administração

da Associação Latino-Americana de Governança, trabalha com projetos ligados a governança e integridade. Tem sua formação em jornalismo, possui MBA em Gestão Empresarial com ênfase em Planejamento Estratégico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), MBA em Leadership, pela Universidade EADA de Barcelona e MBA em Governança Corporativa. É ainda analista comportamental e Executive Coach pela Sociedade Latino-Americana de Coaching (SLAC). No Governo do Distrito Federal, Cristiane Nardes atuou como Chefe de Planejamento e Gestão Estratégica da Secretaria de Estado de Mobilidade e Secretaria-Executiva de Governança e Compliance da Casa Civil. Como executiva institucional e estrategista, trabalhou na Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp/Senar). Foi gerente comercial da empresa Brasília Office Representações Corporativas, em 2014, onde analisava as tendências de mercado e concorrência, além de ter criado projetos voltados para a área de marketing. Atuou como repórter e apresentadora na Band TV e TV Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Em 2006, foi analista de comunicação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, na sede de Brasília.




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