A RGB Entrevista de hoje é com a advogada, servidora de carreira da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A e chefe de Governança e Controle Interno na Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF), Roberta Castro. Confira!
RGB - Na sua visão, o que é a governança no setor público?
Roberta Castro - De uma forma geral, considero a governança no setor público como um grande sistema de controle e monitoramento orgânico, que resguarda o interesse e o erário público por meio da implantação de mecanismos e instrumentos de boas práticas. Estando em conformidade legal, tais mecanismos evitam conflitos de interesse e preservam a manutenção da conduta íntegra, visando à devida utilização de recurso público e à prestação de contas ao cidadão, a partir de diretrizes e valores consubstanciados em transparência, isonomia e nas responsabilidades orçamentária, social e ambiental.
Estreitando essa visão às empresas estatais, esse sistema de controle possibilita que administradores detenham recursos e ferramentas capazes de direcionar o desempenho gerencial da companhia que comandam, por meio de indicadores de produtividade e de metas estratégicas e operacionais. Com o propósito de averiguar e monitorar a devida execução do objeto social alinhado às políticas públicas, dentro do ambiente regulatório em que a companhia se encontra inserida, a governança permite que a tomada de decisão institucional não seja influenciada por interesses escusos àqueles para os quais a estatal foi legalmente criada.
RGB - Quais os maiores desafios para a implementação da governança nas empresas estatais?
Roberta Castro - Em que pese a regulamentação trazida pela Lei nº 13.303/2016, a respeito da implantação de boas práticas de governança corporativa nas empresas estatais, considero o planejamento estratégico, o gerenciamento de risco e o sistema de comunicação interna das companhias os instrumentos de maior relevância e impacto na demonstração de resultados das estatais.
Dentro do arcabouço da governança, esses instrumentos, desde que estejam alinhados e sejam implementados de forma estrutural e com o comprometimento da administração, podem alavancar o desempenho e a produtividade das companhias. Ademais, eles evidenciam resultados voltados às atividades meio e fim, tanto na prestação de serviço público quanto na execução da atividade econômica.
Com relação ao planejamento estratégico, é fundamental que a companhia estruture devidamente o caminho a ser trilhado e cumprido pelo objeto social para o qual a estatal foi constituída. Caso contrário, o propósito seria apenas existir dentro da Administração Pública, independentemente de produtividade e bom funcionamento, sem entender seu alcance e retorno social. As métricas estratégicas devidamente sincronizadas aos anseios da sociedade é que impulsionam a estatal a desempenhar a melhor entrega de serviço ou atividade à sociedade, os verdadeiros acionistas das entidades públicas.
O gerenciamento de risco com a identificação de análise de situações de impacto positivo e negativo à companhia é um dos mastros que direcionam, de acordo com as metas estratégicas e operacionais, a melhor opção de cenários que evitarão impactos ou prejuízos orçamentários. Além de impedir tais danos, sejam eles de conformidade, financeiros, jurídicos, dentre outros, o gerenciamento de risco contribui para uma decisão sustentável e técnica capaz de demonstrar a viabilidade diante dos órgãos de controle.
Aliado a esses instrumentos, o sistema de comunicação permite que a estatal tenha um plano eficaz de comunicação interna e externa, cujo objetivo principal é evitar a propagação de conflitos e ruídos contraditórios. Problemas dessa ordem influenciam negativamente o entendimento e a atuação dos agentes de governança, mas uma vez que são resolvidos, concretizam todo o trabalho da gestão em busca de resultados sobre a imagem e a credibilidade da empresa.
RGB - Por que, antes de identificar os maiores desafios da implementação da governança nas empresas estatais, eu expliquei o tripé da governança?
Roberta Castro - Exatamente para que o leitor tenha a real noção da importância desses instrumentos caminharem em conjunto para que o sistema de governança possa funcionar de um modo equilibrado. Dessa forma, torna-se possível, que os administradores direcionem e monitorem os atos de gestão e esses sejam prestados e acompanhados de forma eficiente que implique a decisão correta e devida para aquele determinado momento.
Conjugar a atuação desse tripé de desempenho institucional, na minha opinião, é um dos maiores desafios na implementação da governança das estatais, pois a rotatividade e a inexistência de mandatos com prazos fixos de administradores dentro das estatais causam grande impacto sobre a condução estratégica, permitem o apetite pelo risco e prejudicam a manutenção de projetos.
RGB - Quais são as principais metas do Comitê de Governança da Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF) para os próximos anos?
Roberta Castro - Antes de mencionar as principais metas do Comitê de Governança do METRÔ-DF, cabe uma breve explicação a respeito do processo de maturidade da governança dentro da Instituição. Considerando o processo de reestruturação administrativa da Companhia, finalizado em abril de 2020, o organograma da empresa passou por uma grande reformulação visando à criação de diversas áreas de controle institucionais, dentre elas: Governança e Controle Interno, Gerência de Planejamento Estratégico, Gerência de Compliance e Integridade, Gerência de Risco, Gerência de Monitoramento na Auditoria Interna, Correição e Secretaria de Comissão de Ética.
Com a recente criação da Área de Governança e Controle Interno, vinculada à Presidência da Companhia, com funções de gestão e execução na implantação das boas práticas de governança, o Conselho de Administração instituiu também o Comitê de Governança do METRÔ-DF, este com vinculação direta ao colegiado. As duas unidades de governança fazem parte do sistema de governança do METRÔ-DF e permanecerão atuantes até se reavaliar a maturidade da Empresa em relação à temática governança.
Assim, o trabalho em cooperação é regulamentado a partir de política e normativo interno da Companhia, que regulamenta a atuação do comitê de forma independente com o Conselho de Administração afastando possível influência ou mácula dentro do seu poder decisório.
Portanto, em conjunto com a Área de Governança e o Controle Interno, as metas prioritárias do Comitê de Governança do METRÔ-DF para os próximos 02 (dois) anos, considerando pesquisas institucionais realizadas em 2020, resumem-se:
na implantação dos índices de desempenho da Companhia a partir do estabelecimento de ações voltadas às boas práticas de governança;
na avaliação e na revisão da avaliação de desempenho dos demais gestores da Companhia e dos administradores;
na implantação dos índices de maturidade da gestão de riscos e integridade na Companhia;
na revisão dos métodos de monitoramento estratégico a partir do desempenho dos resultados obtidos nas reuniões de avaliação operacional e estratégica;
na introdução de processo de inovação a partir do estudo sistêmico em andamento sobre o balanço social da Companhia.
RGB - A Lei nº 13.303/2016 completará em breve cinco anos. Na prática, quais as principais contribuições da Lei das Estatais para a Governança das empresas estatais brasileiras até hoje?
Roberta Castro - Sem dúvida, com a criação da Lei das Estatais, a relevância da temática e da necessidade de implantação de boas práticas de governança corporativa se consolidou nas agendas de administradores e demais gestores de empresas estatais. A legislação trouxe a obrigatoriedade da introdução de mecanismos e boas práticas que implicam melhorias na execução dos serviços públicos e na resolução de metas de produtividade associada à remuneração dos administradores. Com a Lei, tornou-se possível mitigar riscos, aplicar controles internos atrelados à avaliação de desempenho dos administradores e operacionalizar o sistema orgânico a partir do gerenciamento da conformidade legal e cultural da Companhia, instituindo políticas, diretrizes e documentos que tornam os atos de gestão e gerenciamento transparentes.
Portanto, o que, antes, dependia de recomendação de órgãos de controle interno e externo - a partir da edição da Lei das Estatais e da efetivação dos princípios de transparência, moralidade e eficiência – agora, se concretizou com a prestação de contas dos atos de gestão da Companhia por meio de documentação que descreve com clareza dados e resultados da condução estratégica da empresa. Com a concretude da vinculação legal, as estatais devem, obrigatoriamente, publicar não apenas o Relatório de Administração, mas, também, a Carta Anual sobre o gerenciamento das metas estratégicas e das ações de risco e tratamento do exercício anterior; o Plano de Negócios e Aquisições que demonstra índices e metas de investimentos, contratações e possíveis parcerias para o ano subsequente, alinhado ao planejamento estratégico da Companhia; o Relatório de Sustentabilidade e Responsabilidade Social da Estatal, que evidencia ações e boas práticas socioambientais. Todos os documentos visam, portanto, à ampliação do controle social sobre as instituições públicas.
RGB - Na sua opinião, quais são os melhores benchmarks em governança em Estatais no Brasil atualmente?
Roberta Castro - Atualmente, é difícil selecionar as melhores estatais para benchmarks em governança no Brasil porque acredito em crescimento, evolução e protagonismo de muitas empresas estatais diante do processo de implementação das boas práticas. Todavia, casos de destaque como Petrobras S.A. e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não podem deixar de ser citados em razão da constante revisão e do desenvolvimento de novos métodos e de ferramentas de controle e monitoramento dos índices de governança, integridade e gestão institucionais.
RGB - Como a aplicação da análise econômica do direito pode implicar motivação à melhor tomada de decisão por administradores públicos?
Roberta Castro - A análise econômica do direito é um dos recursos mais impactantes à tomada de decisão eficiente dos gestores públicos. De fato, cenários são traçados e motivados por meio de dados técnicos e evidências econômicas associadas ao consequencialismo jurídico. Dessa forma é possível definir, de acordo com proporcionalidade e razoabilidade, a decisão mais apropriada para determinada situação fática.
Portanto, utilizar-se do pragmatismo jurídico como técnica de decisão, conforme preceitua a análise econômica do direito, faz com que o administrador público delibere, dentre diversas hipóteses fáticas, aquela conclusão de consequência prática que melhor proporcione resultado eficiente à manutenção do interesse público. Em outras palavras, a análise econômica do direito se remete ao julgamento mais justo e seguro - independentemente de ser puramente legalista -, uma vez que considera todos os desdobramentos que uma decisão administrativa pode ocasionar para o funcionamento organizacional de uma empresa estatal como, por exemplo, efetivação ou continuidade de relações contratuais que gerem maior ou menor impacto financeiros, em razão do contexto político, social, econômico, dentre outros.
Como consequência de tal processo, e em razão dos possíveis efeitos da decisão, o operador deverá buscar em outras fontes de conhecimento, além da jurídica, os parâmetros e os fundamentos para sua resolução. E é justamente nesse ponto, em específico, que se aplicam os conceitos de análise econômica do direito e consequencialismo à decisão de se pautar em aspectos temporais, sociais, econômicos e políticos à época de seu cometimento, como já mencionado.
Tal ideia aproxima-se assim da ferramenta “nudge thinking”, termo americano que representa o poder da ciência comportamental, devidamente usado no campo empresarial, para desenvolver normativos, políticas e mudanças estratégicas mais eficientes à medida da tomada de decisão e condução da Companhia por seus administradores. O que vem sendo aprofundado o estudo e implementada a ferramenta visando proporcionar uma decisão de efeitos práticos de acordo com a realidade da Empresa.
O que se pretende visualizar, com a utilização da análise econômica do direito como ferramenta de governança, é a possibilidade das decisões estratégicas da Companhia serem tomadas a partir da previsão de impactos financeiro, social, político e estratégico que conduzirão o gestor à análise eficiente para que se realize as devidas adequações e ponderações circunstanciais daquele momento aos interesses relacionados ao seu objeto social, considerando os preceitos dispostos na Lei nº 13.655/2018.
Fazendo com que o processo decisório da Estatal se paute nos princípios da legalidade, eficiência e razoabilidade em prol do melhor monitoramento e direcionamento da tomada de decisão institucional por seus administradores concedendo inclusive maior segurança ao cometimento desse ato de deliberação. Fato esse que implica consequentemente na ampliação ao apetite, ao risco decisório no cumprimento da missão estratégica da Companhia associada à execução de políticas públicas dentro de determinada realidade fática.
Enfim, o interessante de considerar a análise econômica do direito como um método de governança, assim como a gestão de risco, é validar a necessidade que decisões dos gestores públicos se pautem cada vez mais na motivação técnica e controles internos considerando as circunstâncias que não causem, ou que causem menos prejuízo à execução do objeto social da Empresa Estatal.
RGB - Uma boa governança corporativa induz melhores práticas de compliance? Existe diferença entre compliance e integridade?
Roberta Castro - Considerando o ambiente regulatório por meio de legislação, normativos, contratualização e culturas em que as empresas estatais estão inseridas, eu defendo a ideia segundo a qual o compliance serve de diagnóstico para a devida implantação das melhores práticas de governança. Sem conhecer as regras dispostas no ordenamento jurídico e as diretrizes de eficiência e integridade voltadas às empresas estatais, não há como planejar um programa de governança compatível e real de forma a se evitar a incidência de possíveis mazelas institucionais.
De modo geral, a adaptação orgânica de uma estatal deve ser executada a partir de vedações ou obrigações legais, sociais, culturais ou éticas que implicam o devido direcionamento empresarial. Ferramentas de controles internos de proteção dos interesses da sociedade, dos acionistas e dos investidores podem identificar conflitos de agência ou condutas abusivas de administradores ou gestores. Por essa razão, e considerando o sentido histórico e de vanguarda do compliance, defendo a ideia de que o sistema de conformidade no qual a estatal se encontra inserida induz o processo de governança dentro daquela instituição.
Considerando, ainda, a evolução do conceito de conformidade legal em relação ao sentido moderno sobre o sistema de compliance dentro das empresas estatais - voltado ao processo de evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade de integridade e ética - não há dúvidas de que, devidamente implementado e desde que haja compromisso dos administradores e comprometimento na execução pelo corpo técnico empresarial, o compliance resulta em melhorias e progresso das boas práticas de governança.
Dessa forma, conclui-se que a técnica da conformidade é praticamente uma relação de causa e efeito com a governança corporativa em prol da perenidade e da preservação de imagem, marca e credibilidade institucional. No que tange à diferença entre compliance e integridade, cabe arguir que não há uma diferenciação, mas sim uma complementação, considerando a mencionada evolução do conceito a respeito do sistema de compliance.
Se antes o compliance representava apenas um sistema de conformidade legal, após o advento da Lei 12.846/2013 e com a evolução do termo técnico, ele trata amplamente do sistema de prevenção, detecção e tratamento de atos de corrupção contra a Administração Pública, de forma geral. Assim, o compliance e a integridade tramitam no mesmo sentido de se constituírem um programa a partir da gestão de risco de integridade e ética com o propósito de se evitarem atos que possam ensejar a responsabilização da Companhia e, consequentemente, de gestores públicos, colaboradores, fornecedores, terceirizados, ou de qualquer pessoa em razão do cometimento de atos reprováveis pela legislação mencionada.
Currículo
Roberta Castro cursa o Master of Laws - LLM - Infraestrutura e Regulação pela Fundação Getúlio Vargas. Ocupa atualmente o cargo de Chefe de Governança e Controle Interno na Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF). É servidora pública, advogada concursada da Empresa Pública Federal Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. vinculada ao Ministério da Infraestrutura (desde 2013).
Comments