‘‘Boa governança é sinônimo de bom desempenho.’’
Na sua visão, o que é a governança no setor público?
Governança no setor público representa o desenho estrutural para tomada de decisão e alocação de recursos. A boa governança é primordial para garantir a conexão entre estratégia, gestão e operação, pois o processo de governança envolve descobrir meios de identificar metas e depois identificar os meios para alcançar essas metas.
Boa governança precisa reunir estratégia e gestão. Estratégia sem boa governança permite um espaço em branco entre estratégia e operação. Esse espaço será ocupado por agendas pessoais das lideranças táticas ou de interesses diversos difusos da estratégia inicialmente pretendida.
Qual a importância da definição de bons indicadores sobre governança?
Os indicadores são o painel de bordo do avião. É o termômetro da gestão. Sem eles, o sistema de governança é uma carta de intenções. Entendo que o elo entre governança e gestão, inclusive riscos, são acordos de resultados ou contratos de gestão delineados por metas e indicadores. A gestão de qualquer área exige um sistema de monitoramento de metas e indicadores. Já temos legislação que exige transparência, eficiência, governança, mas falta capacitação dos gestores e cultura de accountability, entendido aqui como prestação de contas e responsabilização.
Quais os maiores desafios da implementação da governança nas empresas estatais?
São muitos.rsrsrsrs.
Posso elencar os principais aqui: Escolha de dirigentes e conselheiros com expertise na área de atuação e perfil para o momento da empresa; existência de plano de sucessão; implantar cultura de resultados, inovação e empreendedorismo; implantação de avaliação de desempenho dos dirigentes com foco em resultados e não conformidade, independentemente das circunstâncias; gestão de empregados com similaridade de empresas privadas que contratam por CLT; remuneração de dirigentes para conseguir atrair e reter talentos.
Além disso, existe uma série de políticas e boas práticas fomentadas pela Lei nº 13.303/2016 que precisam ser amadurecidas, tais como: estratégia de longo prazo, plano de negócios, gestão de riscos, política de dividendos, política de conflito de interesses, programa de integridade etc.
Estamos vivendo hoje uma grave pandemia mundial. Na sua visão, quais consequências a atual crise deverá trazer para o setor público brasileiro?
Toda crise é uma oportunidade de rever processos, avaliar implantação de inovações ou otimizar seus custos e maximizar suas receitas. A pandemia intensificou o problema fiscal brasileiro e causou um choque econômico de dimensões sem igual na história. Os gestores, mais do que nunca, serão convidados a repensar o modelo de financiamento de sua operação com a inclusão de automação e redução de custos, pois muitas vezes no setor público internalizamos tecnologia sem a preocupação de reduzir custos.
Um dos comitês da Rede Governança Brasil trata das estatais. O que podemos esperar dos trabalhos desse grupo?
Um dos objetivos principais desse comitê será pesquisar e socializar conhecimento para estatais. No primeiro momento, vamos focar nas possibilidades de aprimoramento dos estatutos das estatais, utilizando como referência o novo estatuto modelo da SEST, especialmente as novas atribuições do “Comitê de Pessoas, Remuneração, Elegibilidade e Sucessão”, bem como sobre boas práticas de Programa de Integridade. Ao final do ano, pretendemos escrever dois artigos sobre os referidos tópicos.
Quais os objetivos da gestão da Valec no médio e longo prazo?
Tornar a Valec uma empresa moderna, inovadora, confiável e ser reconhecida pela sociedade como uma empresa que realiza e entrega empreendimentos prioritários para infraestrutura do Brasil. Além disso, construir um caminho para torná-la independente dos recursos do Orçamento Geral da União.
Tanto no DNIT quanto na Valec a sua gestão promoveu processos seletivos para cargos importantes. Essas seleções são uma tendência que veio para ficar no setor público? Quais os principais aprendizados até o momento?
O processo seletivo é um instrumento fantástico para compor quadros de excelência na administração pública, mas demanda muito trabalho e envolvimento direto da alta administração na escolha do candidato. Um aprendizado importante é que a escolha não pode ser baseada exclusivamente ou com base em uma pontuação aritmética derivada de currículo acadêmico. A experiência me mostrou que a inteligência emocional, captada na entrevista, vídeos de apresentação e entrega de um projeto, é mais importante e definitiva para escolha do candidato. Precisamos de gestores com conhecimento, mas com capacidade de entrega e espírito empreendedor.
A Lei nº 13.303/2016 completou recentemente 4 anos. Na prática, o que a lei das estatais representa?
A lei das estatais promoveu vários avanços e estabeleceu requisitos e critérios claros aos órgãos de governança, promovendo a transparência e implementando práticas de integridade e compliance nas estatais, dos quais destaco: necessidade de estabelecer estratégia de longo prazo, adoção de plano de negócios, requisitos para nomeação de seus dirigentes, práticas de gestão de riscos e controles internos, práticas de governança e controle proporcionais à relevância e à materialidade e aos riscos do negócio do qual são partícipes, requisitos de transparência como a adoção da carta anual de governança corporativa, política de divulgação de informações, política de transações com partes relacionadas, política de dividendos e divulgação de notas explicativas das demonstrações financeiras e de relatório anual integrado ou de sustentabilidade.
Hoje fala mais ação do que legislação!
Um dos pontos que mais chamou atenção após a promulgação da lei das estatais foi a proibição de indicação política para o Conselho de Administração e para a diretoria. Como você avalia na prática a determinação prevista na Seção III da legislação?
É uma inovação importante e fundamental para preservar uma gestão mais profissional e qualificada das estatais. Outra inovação do estatuto modelo é a criação do “Comitê de Pessoas, Remuneração, Elegibilidade e Sucessão” com competências para desenvolver e propor um processo de escolha e sucessão mais profissional e equilibrado para estatais. Há possibilidades de avanço ainda com os movimentos de outras indústrias que podemos trazer para estatais, tais como: processo seletivo para dirigentes e conselheiros, obrigatoriedade de certificação para administradores, avaliação de desempenho com foco em resultados e não em conformidade etc.
Quais dicas você daria hoje para quem quer trabalhar com governança no setor público?
Trabalhar com governança requer competências específicas, a saber: visão sistêmica, capacidade de articulação, visão estratégica do negócio, capacidade de comunicação e oratória, capacidade de escrita objetiva e clara, conhecimento sobre a legislação de governança, orçamento público, conhecimento sobre administração estratégica, gestão de projetos, gestão de riscos, compliance, indicadores de desempenho, logística (licitações e contratos públicos) e direito administrativo.
Mais do que isso é experimentar um universo de situações e problemas com uma disposição de aprendizado e capacidade de mobilizar equipe para entrega de resultados, pois boa governança é sinônimo de bom desempenho.
Márcio Lima Medeiros, ocupa atualmente o cargo de Diretor de Administração e Finanças da Valec. Graduado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília (UnB) e Master en Direccion y Gestion de Planes y Fondos de Pensiones pela Universidade de Alcalá e Organización Iberoamaericana de Seguridad Social.Foi Diretor de Administração e Finanças do DNIT de janeiro de 2019 a abril deste ano. Lá, promoveu a redução de R$ 121 milhões de gastos nos primeiros 100 dias de gestão com foco na melhoria dos processos de aquisições da autarquia, levando o DNIT a se colocar em um patamar de referência nacional. Foi também Diretor de Administração e Finanças da Funpresp-Jud 2014-2018 (fundo de pensão dos servidores do judiciário da União), Assessor-Chefe da assessoria de Modernização e Gestão Estratégia do MPF – 2010-2014 e Diretor Executivo do Plano de Saúde Plan-Assiste de 2006 a 2011.
Publicado em: 25 de setembro de 2020.
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