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Nardes: governança prioriza resultados e alcance aos mais necessitados


Foto: Ministro Augusto Nardes


A RGB Entrevista de hoje é com Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e embaixador da Rede de Governança Brasil (RGB). Confira!


RGB- Ministro, o senhor tem acompanhado o tema governança há mais de 10 anos. Qual sua avaliação sobre a evolução da governança no setor público brasileiro na última década?


Augusto Nardes- De fato, desde 2012, quando me preparava para assumir a Presidência do Tribunal de Contas da União (TCU), estabeleci, primeiro, a melhoria da Governança Pública como uma diretriz estratégica do Tribunal no biênio 2013/2014. Nesse período, lançamos a obra Governança Pública: O Desafio do Brasil (escrito por mim e dois de meus assessores) e Da Governança à Esperança (de minha autoria).


Depois de minha gestão à frente do TCU, continuei tratando do tema nos processos de minha relatoria no Tribunal e recentemente fundamos a Rede Governança Brasil (RGB), quando essa batalha ganhou, com o auxílio de tantos amigos que trabalham de forma voluntária, contornos nacionais e internacionais.


A evolução da Governança Pública é inequívoca desde que iniciamos essa cruzada. O ponto de inflexão, acredito, foi a edição do decreto 9.203/2017, por meio do qual o governo Michel Temer lançou a Política de Governança Pública no âmbito federal. Foi uma negociação intensa com os técnicos dos principais ministérios do Centro de Governo, com todo o apoio do Presidente da República, à época. A partir de uma minuta preparada por um grupo de trabalho do TCU, coordenado pelo meu gabinete, conseguimos que o governo federal estabelecesse, por meio do Decreto, princípios, diretrizes, mecanismos e práticas de governança no âmbito federal, que, acredito, agora não tem caminho de volta.


Esse modelo federal tem sido assimilado aos poucos por estados e municípios, com o apoio da Rede Governança Brasil, da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) e do IRB (Instituto Rui Barbosa). Os demais poderes também têm manifestado interesse em evoluir na Governança Pública. Assim, em breve poderemos ter mais esperança quanto aos destinos do país, que utilizará de forma generalizada, acredito, um modelo de governança à altura de sua grandeza.


RGB - Em 2021, o Decreto 9203/2017, que dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, completará quatro anos. Qual sua percepção sobre a aplicação desse normativo até o momento?

Augusto Nardes - Desde que foi editado o Decreto 9.203/2017, os diversos ministérios e órgãos da Administração Autárquica e Fundacional têm se preparado para implementar a Política de Governança Pública.

Hoje, praticamente todas as organizações federais já dispõem de um Comitê Interno de Governança que, segundo o decreto, tem a atribuição de implementar, de forma contínua e duradoura, as diretrizes, mecanismos e práticas de liderança, estratégia e controle que otimizarão os resultados esperados pela população na saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, entre outras.


Assim, minha percepção sobre a aplicação do Decreto é positiva, embora eu sempre espere um pouco mais de celeridade nesse processo. Por isso, tenho promovido com ministros e alta liderança deste governo, assim como já havia feito no governo anterior, eventos para que todos fiquem cada vez mais engajados com a implementação da governança.


Embora seja otimista quanto a aplicação do decreto, na Governança Pública aprendemos que não bastam nossas percepções. É preciso trabalhar com evidências, com indicadores de desempenho para fazer nossas avaliações. Por isso, respaldo esse meu otimismo como os números, agora de 2021, do Índice integrado de governança e gestão públicas - iGG 2021.


Apurado pelo TCU, o iGG 2021 mostra uma melhoria nas capacidades de governança e gestão das organizações em relação a 2018, que já havia sido melhor que 2017. Conforme demonstra o gráfico a seguir (coluna mais à esquerda), o número de organizações com iGG em estágio aprimorado passou de 8% para 18%; em estágio intermediário, de 44% para 60%; e reduziu-se de 48% para 22% as organizações no estágio inicial ou inexistente. Analisando-se um a um os ministérios, percebe-se, igualmente, a mesma melhoria nos números de 2018 para 2021. Os dados sobre o iGG podem ser consultados na página do TCU, em https://portal.tcu.gov.br/governanca/governancapublica/organizacional/levantamento-de-governanca/


RGB- O senhor tem acompanhado atentamente o desempenho da educação brasileira. Qual a sua visão sobre a governança das instituições públicas educacionais do Brasil hoje?


Augusto Nardes- Lançando mão ainda do iGG 2021, nota-se uma evolução da Governo e Gestão do Ministério da Educação. O gráfico a seguir mostra isso, da comparação entre a linha preta (2018) e a linha azul (2021).



Não obstante, a governança das instituições públicas educacionais não é competência do Ministério da Educação, mas da alta liderança de cada uma delas, conforme preconiza o art. 6º do Decreto 9.203/2017. Assim, para termos uma exata noção da realidade de cada uma delas, é necessário consultar o iGG 2021 na página do TCU, em https://portal.tcu.gov.br/governanca/governancapublica/organizacional/levantamento-de-governanca/.

Embora possamos verificar, a partir dessa pesquisa, a evolução de uma ou outra instituição, é notório que há um longo caminho ainda a ser perseguido no conjunto de todas elas. Existem inclusive instituições, conforme pude constatar em visitas que estou realizando em algumas universidades, que sequer tiveram condições de responder ao questionário do iGG, dado o grau de afastamento dos conceitos da Governança Pública.


Tendo em vista essa situação, iniciamos no TCU uma grande fiscalização para verificar a efetividade e eficiência de nossas universidades. Também estou formatando, em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República, um modelo de evento com a alta liderança das universidades e demais instituições educacionais federais, com o objetivo de disseminar os conceitos de governança e facilitar a implementação da Política de Governança Pública nesse importante seguimento do setor público brasileiro.


Nessas instituições educacionais, é certo que a autonomia é fundamental para a consecução dos objetivos de ensino. Mas é inequívoco também que a implementação de boas práticas, como a formação do Comitê Interno de Governança, a gestão de riscos, o planejamento estratégico, a auditoria e controle interno efetivos, entre outras boas práticas, em nada obstam a sua autonomia e é isso que precisamos debater nesses novos eventos.


RGB - Na sua opinião, quais foram os principais ensinamentos da pandemia da Covid-19 para o setor público brasileiro?


Augusto Nardes- O principal ensinamento deixado pela pandemia talvez seja a importância do Estado em situações de guerra, como a que vivemos, nesses dois anos. Em momentos atípicos como esses, não se discute o tamanho do Estado e se ele deve ou não existir, mas sim, como ele deve atuar.


Estados grandes, assim como grandes empresas, sempre representam maiores riscos. Por isso, estados menores tem mais chances de entregar aquilo que a população espera em setores estratégicos como saúde e educação. Mas se eu tenho mais necessidade de mais Estado em determinados momentos, como em uma pandemia, a única chance de que isso de fato tenha os efeitos esperados é uma governança adequada para disciplinar a sua atuação, para dar maior garantia de que a vontade do dono, do “principal”, na tese da governança, será prioridade na atuação dos agentes públicos, incluindo aí o presidente da república, governadores e prefeitos.


Ao me pronunciar no 5º Fórum de Controle, ocorrido no início de novembro, tive oportunidade de dizer que o Brasil não foi nada bem na pandemia. O país não deveria apresentar, como apresenta hoje, um número tão expressivo de mortes e contaminações. Se tivéssemos tido uma organização, com planejamento estratégico e gestão de riscos mais ampliada, poderíamos ter evitado muitos erros. Falhamos clamorosamente na transversalidade das políticas de saúde entre os governos federal, estaduais e municipais. E entre as providências que dependiam da intervenção do Judiciário e Legislativo.


O que nos deixa um pouco decepcionados é que o governo federal, grande coordenador da saúde brasileira, por decisão Constitucional, já havia percorrido um bom caminho para que todas essas práticas fossem concretizadas. Mas a pandemia nos ensinou o fundamental da governança, que são os resultados. Sem resultados, a governança é uma palavra morta. Nada adianta termos as melhores práticas de liderança, estratégia e controle. De pouco vale montarmos as melhores estruturas e processos para dar mais coerência e coordenação em nossas políticas transversais, se nas oportunidades que temos para colocar tudo isso em prática, interesses políticos ou outros menos nobres obstam nossa atuação coerente e coordenada.


Essa lição da saúde, na pandemia, tem que ser aproveitada agora na educação. Um dos grandes desafios do Brasil, no pós-pandemia, é acelerar suas ações para recuperar o que perdemos na nossa educação pública, que não teve as mesmas condições que o ensino privado, durante a pandemia, de manter suas atividades de uma forma normal.


Dessa forma, como a coordenação das políticas de educação, assim como a da saúde, cabe ao governo federal, há que se acelerar a articulação com estados e municípios para que essas políticas possam ter coerência e coordenação, de forma que os resultados no setor educacional possam dar ao Brasil maiores chances de desenvolvimento.


RGB - Quais serão os principais objetivos da Rede Governança Brasil para 2022?


Augusto Nardes- O principal objetivo para 2022, sem sombra de dúvida, é trabalharmos para terminar o planejamento estratégico de todos os Comitês e como oportunidade de oferecer essas sugestões para os novos governantes...esse é o tema número um! Concluirmos o planejamento estratégico para oferecer sugestões aos eleitos em 2022.



RGB- 2023 será o primeiro ano de mandato de diversos governadores. Como o senhor vê a aplicação da governança nos estados brasileiros?


Augusto Nardes- É de suma importância que os novos governadores continuem a nos apoiar nessa batalha pela boa governança pública. Em uma República Federativa, como é o Brasil, os estados têm suas atribuições e competências que não podem ser violadas nem mesmo pelo líder máximo da nação. Mas os estados não podem também renunciar à liderança e à coordenação federal, sob pena do insucesso generalizado de nossas políticas públicas.


Em várias políticas públicas, como saúde e educação, há um compartilhamento de competências. Em algumas delas, a coordenação é da União. Sem essa coordenação, deixamos de ser um navio que ruma para o futuro para sermos pequenas embarcações individuais que não sabem para onde seguir. É preciso conciliação e responsabilidade pública para manter o país em sua rota.


Por sermos uma Federação, não podemos pensar governança de forma isolada. Temos que unir todos em prol dessa batalha, para que o país caminhe de forma uniforme, com um norte comum a guiar os estados que, embora com suas peculiaridades e independência, compõem um todo, a República Federativa do Brasil.


Nesse sentido, e voltando à questão anterior, a pandemia nos ensinou muito e é preciso assimilar essas lições. Não poderíamos ter caminhado, como caminhamos nesses dois últimos anos, desarticulados, descoordenados. A população não pode ficar à deriva, ouvindo orientações contraditórias das lideranças que nos governam e, com isso, sofrer consequências danosas, como a perda de suas vidas.


Essa coesão, coerência, transversalidade nas ações, sem desperdício de esforços de nenhuma das partes, para termos mais e melhores resultados, pode ser mais facilmente alcançada com uma boa governança.


Por isso concebemos, na minuta que depois se transformou no decreto 9.203/2017, no âmbito federal, os Comitês Interministeriais de Governança, os CIGs. Esses CIGs têm o papel de coordenar outros Comitês, formados em cada ministério ou instituição da Administração Autárquica e Fundacional. Os comitês de cada ministério induzem às boas práticas de governança e estabelecem prioridades e metas a serem cumpridas. Continuamente, esses Comitês municiam os CIGs com informações sobre o que está dando certo e sobre a necessidade de correção de rumos, antes que a nave encontre um iceberg.


Esse modelo de coordenação e coerência, de planejamento estratégico, de gestão de riscos, de prestação de contas, de transparência, em prol de melhores resultados, deve ser aplicado imediatamente pelos governadores eleitos. Com esse modelo, todos eles terão mais chances de cumprir suas promessas de campanha, de ter mais sucesso em suas gestões.



RGB -Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para aqueles que trabalham com a governança no setor público brasileiro?


Augusto Nardes - A mensagem é de esperança. No país e no setor público brasileiro. Cada vez mais pessoas, exercendo suas atribuições de servidor público ou trabalhando de forma voluntária, estão entendendo a importância da boa governança para que o Brasil cresça e se desenvolva.


Isso tem um efeito multiplicador importante, pois não basta que o Governo Federal implante boas práticas para governar melhor. É necessário que essa ideia seja amplamente utilizada em estados e em municípios, onde a vida, na verdade, acontece. E hoje, o Tribunal de Contas da União e os demais tribunais de contas brasileiros, a Atricon, o IRB e a Rede Governança Brasil podem liderar um grande movimento brasileiro para termos mais chances de implementar a boa governança de uma forma generalizada.


A boa governança pública contribuirá, de forma definitiva, para que o país vire de vez essa página da corrupção generalizada que vinha nos roubando a esperança de sermos um país desenvolvido.


Mas além de combater a corrupção, antes mesmo que ela ocorra, de forma preventiva, é necessário que as boas práticas de liderança e estratégia induzam os gestores honestos a serem também eficazes e efetivos.


E a boa governança pública prioriza muito os resultados gerados com os tributos retirados da população. Ser honesto é uma premissa!!! Mas ainda é pouco! É preciso transformar, de forma eficiente, o tributo cobrado em grandes soluções para a sociedade como um todo, mas especialmente para aqueles que mais precisam.


Com todos trabalhando em prol de resultados consistentes nas áreas de saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, aos poucos vamos criando um ciclo virtuoso para que façamos mais políticas públicas com cada vez menos impostos.





* Augusto Nardes é ministro do Tribunal de Contas da União desde 2005. É formado em administração de empresas, tem mestrado em estudos do desenvolvimento, foi deputado estadual por duas vezes e três vezes deputado federal. Foi presidente do TCU no biênio 2013-2014, oportunidade em que pôde implantar, entre outros conceitos, a especialização das unidades técnicas e as auditorias coordenadas. Foi presidente da Organização Latino-Americana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Olacefs) na primeira vez em que o Brasil exerceu a presidência da Organização, criada há mais de 50 anos para congregar as entidades de fiscalização superior da América Latina e do Caribe. Nardes é o fundador e embaixador da Rede Governança Brasil.



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