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Pandemia: Transparência e adaptação dos órgãos de controle

Em entrevista a RGB desta semana o Secretário Federal de Controle Interno da CGU, Antônio Leonel, fala de forma transparente como a pandemia pede alterações significativas no contexto de atuação das unidades. E a importância dos órgãos de controle em se adaptarem ao presente cenário. Confira a entrevista na íntegra!


De acordo com o Decreto 9203/2017, a governança pública pode ser entendida como o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle. Como o controle interno pode contribuir para o fomento da governança no setor público?

O controle interno, referindo especificamente às unidades que realizam atividades de auditoria interna, deve apoiar os órgãos e as entidades na estruturação e no efetivo funcionamento da primeira e da segunda linha de defesa da gestão, por meio da prestação de serviços de consultoria e avaliação dos processos de governança, gerenciamento de riscos e controles internos.

Assim, a unidade de auditoria interna contribui especialmente fornecendo análises objetivas a partir de evidências com vistas a fornecer opiniões ou conclusões para a tomada de decisão pela alta administração para o melhor alcance dos objetivos propostos, com respeito ao processo decisório estruturado pelo gestor.

Na sua visão, o que falta ainda para a consolidação de uma cultura de compliance no setor público brasileiro?

Em relação ao compliance, acredito que seja fundamental esclarecer sua importância para a segurança no alcance das metas e objetivos propostos.

Os gestores responsáveis pela implementação das políticas públicas, no caso do setor público, são responsáveis por instituir e manter os controles primários durante a execução de atividades e tarefas no âmbito de seus macroprocessos finalísticos e de apoio.

Assim, de forma a assegurar sua adequação e eficácia, os controles internos devem ser integrados ao processo de gestão, dimensionados e desenvolvidos na proporção requerida pelos riscos, de acordo com a natureza, a complexidade, a estrutura e a missão da organização.

Ocorre que é frequente confundir o compliance com as falhas da burocracia que dificultam o dia a dia de todos.


Por isso é importante que, em relação ao compliance, ocorra a supervisão e o monitoramento das ações desenvolvidas, por meio do gerenciamento de riscos, da verificação de qualidade, do controle financeiro, além da orientação e do treinamento, inclusive com a reavaliação das próprias medidas de compliance, pois há diversas mudanças que podem ocorrer tanto internamente como fora da organização.


Como tem sido o trabalho da CGU em relação ao monitoramento dos programas de integridade dos órgãos públicos federais? Na sua visão, qual órgão pode ser considerado como benchmarking em integridade atualmente?

O programa de integridade é constituído pelo conjunto de medidas e ações institucionais voltadas para a prevenção, detecção, punição e remediação de fraudes e atos de corrupção. Em outras palavras, é uma estrutura de incentivos organizacionais – positivos e negativos – que visa orientar e guiar o comportamento dos agentes públicos de forma a alinhá-los ao interesse público.

A CGU acompanha os programas e orienta os gestores em relação às melhores práticas internacionais sobre a matéria. A forma de implantação depende do perfil de cada unidade. Atualmente, podem ser citadas duas experiências diferentes, uma no Ministério da Saúde e outra no Ministério da Infraestrutura. Cada um desses ministérios optou por estratégias próprias, em algum tempo poderemos ter análises mais aprofundadas sobre os seus resultados, mas já evidenciam a prioridade que tem sido dada a esse tema.

Em um seminário realizado na Enap em 2019, você disse que muitos órgãos públicos não passam pelo teste de conformidade. Na sua opinião, qual a razão desse fato ocorrer?

Os controles não podem existir dissociados das metas e objetivos das unidades, portanto é imprescindível a gestão da conformidade, especialmente por meio da gestão de riscos. Assim, os mecanismos de controle existentes em cada unidade podem ser revistos, aprimorados ou até mesmo eliminados.

Ocorre que muitos controles acabam sendo criados em função de demandas específicas e são mantidos ao longo do tempo sem uma reflexão qualificada a respeito.

Dessa forma, os controles são vistos de forma negativa por implicarem em altos custo sem qualquer retorno efetivo e a importância da conformidade acaba subestimada.


A adequada definição de controles deve ser feita a partir da gestão de riscos e em função das estratégias para o alcance dos objetivos da unidade. Desse modo, os controles de fato serão desenhados para corroborar de forma positiva os objetivos da Unidade.

O Rio de Janeiro e o Distrito Federal foram pioneiros na exigência de programas de compliance e integridade nas contratações públicas. Na sua visão, qual a importância dessas ações no combate à corrupção?

A Lei nº 12.846/2013 trouxe inovações importantes ao combate à corrupção, dentre as quais destaca-se a responsabilização objetiva da empresa que cometa atos ilícitos, representando um marco para o combate à corrupção no país.


Alguns entes federativos optaram por exigir que as empresas que prestem serviços ao setor público tenham programas de integridade instituídos, que são iniciativas interessantes, mas dependem de estudos caso a caso. Existem discussões para essa exigência em nível federal, mas acredito que seja importante a análise de alguns pontos para essa alternativa, entre elas a avaliação do custo de impacto regulatório dessa medida.

A exigência de programas de integridade por empresas acarreta custos que acabariam sendo repassados ao cidadão. Então, dependendo do que for requerido, pode-se tornar o processo mais caro do que seja adequado.


Outro fator importante a se considerar é que o programa de integridade somente é efetivo se realmente for implementado pela empresa. Desse modo, é arriscado exigir apenas algum tipo de certificado, o que não comprova a devida a implementação do programa, não trazendo resultados positivos ao combate à corrupção. Assim, a adoção dessas medidas em âmbito federal estão em estudo.

Micro e pequenas empresas (MPEs) podem considerar que seu tamanho é um limitador para a implementação de um programa de compliance e integridade. Empresas que possuem (ou querem possuir) contratos com o Poder Público poderão enfrentar em breve exigências legais de programas de compliance para a participação em licitações públicas. Como você avalia as MPEs brasileiras em termos da implementação de mecanismos de controle para coibir casos de corrupção?

A exigência de programas de integridade para micro e pequenas empresas (MPEs) pode ser limitador em função de sua estrutura enxuta e sua adoção deve ser avaliada após estudos aprofundados.


Vale ressaltar que a responsabilização objetiva de empresas envolvidas em atos de corrupção relaciona-se especialmente com as de grande porte, que tem maior risco de conflitos de agência. Isso porque corria-se o risco de se responsabilizar o agente que cometeu o ato ilícito, mas sem penalização dos acionistas, que são fundamentais para a definição pelo topo quanto à importância de adoção dos programas de integridade.

Em agosto desse ano, a Lei 12846/2013 completará 7 anos. Qual a sua avaliação desse normativo até agora no combate à corrupção no setor público brasileiro?


O combate à corrupção avançou de uma forma muito importante nos últimos anos, tanto pelo aperfeiçoamento da legislação, o que inclui a edição da Lei nº 12.846/2013, mas também pelo aprimoramento de processos de apuração dos órgãos de defesa de Estado, entre outros fatores.


A Lei nº 1.2846/2013 trouxe inovações ao combate à corrupção no Brasil, que levaram a uma mudança cultural no relacionamento das empresas com o governo, no cuidado com a integridade, inclusive em razão de punições relevantes que foram aplicadas.

Durante a atual pandemia da Covid-19, observamos a publicação de muitas novas normas e casos de corrupção envolvendo compras públicas, principalmente de produtos hospitalares. Na sua opinião, como os órgãos de controle interno poderão atuar para o aperfeiçoamento das licitações durante esse período? Está sendo possível exigir integridade nas compras públicas emergenciais que estão sendo feitas?

A CGU atua sempre em duas vertentes complementares: o aprimoramento da gestão e o combate à corrupção. Tal atuação também se estende às contratações emergenciais relacionadas à pandemia da Covid-19.


A situação atual exigiu uma tempestividade extraordinária dos órgãos de controle concomitantes à necessidade de decisões dos gestores. Os órgãos de controle, que detêm conhecimento importante sobre a gestão de risco, podem, assim, assessorar os gestores quanto à tomada de decisões, auxiliando na correção de rumos, inclusive para as contratações realizadas.

Por outro lado, as unidades de controle, ao monitorarem e avaliarem as ações adotadas nesse período, podem identificar questões críticas com potencial para gerar falhas de integridade. Nesse caso, em parceria com outros órgãos de defesa de Estado, cabem as ações repressivas, de combate à corrupção, que também visam a manutenção da integridade nas instituições.

Daniel Goldberg, ex-presidente do Morgan Stanley, escreveu em artigo nesse ano que “nós, brasileiros, continuamos com nossas demandas: exigimos zero corrupção, mas 100% de agilidade. Queremos zero de burocracia, mas 100% de controle. Queremos recuperação econômica imediata e reabertura, mas sem fatalidades. Aqui devoramos a sobremesa e fingimos que as calorias não existem.” Na sua opinião, como deve ser a atuação dos órgãos de controle durante a atual pandemia?

Os controles e a própria burocracia não podem ser uma exigência em si, mas devem estar vinculadas às estratégias de cada unidade para o alcance de suas metas e objetivos. Esse fundamento não pode ser esquecido, pois controles construídos que busquem garantir somente a integridade não estão garantindo a sustentabilidade da organização, seja pública ou privada, pois prejudicarão as entregas essenciais. A sustentabilidade da organização é garantida a partir da busca dos seus resultados com integridade e do equilíbrio nos controles entre seu custo e benefício, incluindo valores não mensuráveis. No entanto, cabe reflexão sobre as organizações que não atingem o objetivo proposto, especialmente no setor público, até que ponto podem ser consideradas íntegras na realidade brasileira atual de escassez de recursos.

Nesse sentido, como as estratégias costumam ser revistas em função de fatores externos da instituição, como, por exemplo, as novas tecnologias, também os controles devem ser revistos em razão de alterações de estratégia.

Com a atual pandemia, ocorreram alterações significativas no contexto de atuação das unidades. Por consequência, os órgãos de controle também precisam se adaptar ao presente cenário, considerando tanto a urgência da situação quanto as novas metas definidas, para que possam colaborar de fato com a instituição.

Destaco, assim, que duas questões são importantes, uma relacionada à tempestividade da atuação dos órgãos de controle, em condições ainda mais especiais em função da emergência, e outra em relação ao ajuste no foco quando das alterações nas metas e objetivos propostos, para assegurar que as ações desenvolvidas, inclusive na área de controle tenham eficácia.

Qual dica você daria para quem quiser aprofundar os conhecimentos sobre governança, compliance e integridade no setor público?


Há farto material de qualidade abordando questões como governança, compliance e integridade no setor público, dentre os quais destaco os produzidos pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União, disponibilizados para consulta nos respectivos sítios eletrônicos. Foram elaboradas também publicações por instituições de pesquisa, cuja consulta é imprescindível, além dos guias publicados por organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).



Antônio Carlos Bezerra Leonel ocupa o cargo de Secretário Federal de Controle Interno na Controladoria-Geral da União. É graduado em Administração de Empresas e Direito. Atuou no mercado financeiro por sete anos. Ingressou na Controladoria Geral da União – CGU em 2002 (Auditor Federal de Finanças e Controle), atuando principalmente em Auditorias na Área de Trabalho e Emprego e Auditorias na Área Fazendária da Administração Direta e Indireta. No ano de 2016, foi Assessor Especial de Controle Interno do Ministério da Fazenda, e atualmente é Secretário Federal de Controle Interno da CGU.



Publicado em: 03 de julho de 2020.

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